Gringo na Laje (FGV, 2009) é uma obra ousada. A ousadia está explícita não somente no fato de Bianca e sua equipe terem subido os morros, terem convivido por anos nos lugares que muitos brasileiros conhecem pelos olhos violentos de “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. A ousadia está também no título do livro e dos capítulos, em seu formato desprentecioso, que chega a nós como coleção de bolso. Dispondo desses elementos a autora combina a leveza da leitura com a propriedade em costurar aspectos teóricos e empíricos, mostrando ao leitor sua satisfação ao caminhar por estes espaços menos glamourosos do que, geralmente, explorados por quem se dedica ao estudo do turismo em resorts, praias paradisíacas, etc.
A autora busca explicar o fenômeno do turismo na favela sob três aspectos, valorizando o diálogo entre eles. Um, do ponto de vista do turista quanto à escolha em viver, no seu momento de lazer, uma experiência próxima à pobreza e à violência. Dois, daqueles que passam a ter seu local de residência visitado como atração. Três, os pontos importantes para a venda deste produto turístico. Agrega ainda mais à solidez da discussão, e nos enche de vontade de ver mais explorada, a parte comparativa do livro em que olhares são lançados sobre as experiências na Índia e na África do Sul.
A pesquisa socioetnográfica apresentada revela dilemas e paradoxos que cercam o consumo da favela turística. Os dados revelados ao longo do livro nos levam a questionar nossas próprias posturas frente o mal estar existente na contemplação da pobreza. Este turismo é dignificante para as pessoas que lá podem ser vistas? Ou não passa de um zoológico humano? É uma possibilidade rica de encontro entre mundos distintos? Ou é apenas uma arena de encontro de mundos que nunca se encontrarão de verdade fora de um espaço produzido pelo e para o turismo? Existem recompensas, materiais ou imateriais, e para quem? Estas são algumas das perguntas que confrontaremos durante essa viagem guiada por Bianca.
A autora revela com sua pesquisa que qualquer certeza sobre o turismo em favela é mera crença, afinal coexistem inúmeros pontos de vista – positivos e negativos – sobre ele, a depender do lugar daquele que fala. Assim, o livro atinge um propósito fundamental da academia: oferece elementos para uma opinião informada, nos revela diversos pontos de vista sobre um acontecimento inerentemente complexo que está aí para quem quiser ver. Ele nos instrumentaliza com menos “achismos” e mais “evidências”, que nos apoiam na busca por um campo ou objeto de estudo mais sólido e reflexivo.
Enfim, Bianca Freire-Medeiros, além de tudo, nos dá um alento em saber que há pesquisas sobre o turismo nas nossas favelas ocorrendo de modo responsável e crítico, alinhavando perspectivas e olhares diversos: do Estado, do mercado, dos entes da sociedade civil, dos passantes, dos habitantes. Ademais, nos dá satisfação de saber que não negamos nossa própria realidade e que passamos a olhar as favelas com olhos de investigadores, criando e recriando o conhecimento por aqui. Finalmente, pesquisamos o que há muito os “gringos” reconheciam como campo de pesquisa.
"Gringo na Laje” já repercutiu na internet. O livro foi comentado por leitores em páginas pessoais em Cabo Verde e outros locais de língua portuguesa. Além disso, já apresenta rebatimentos em novas pesquisas, entre elas algumas internacionais, que usam o livro como ponto de partida e buscam avançar em novas compreensões mais específicas, a exemplo do trabalho atualmente desenvolvido pela doutoranda norte-americana Jéssica Aquino na Rocinha e em outras favelas do Rio de Janeiro. Não por acaso, prepara-se sua tradução para a língua inglesa.
Com leveza e seriedade, somos levados neste tour. Contudo, atenção, a obra somente é desaconselhada a quem busca certezas absolutas e para quem quer encerrar o assunto. Gringo na Laje, inclusive, nos brinda com a inauguração de um longo caminho.
FREIRE - Medeiros, Bianca. Gringo na Laje: produção, circulação e consumo da favela turística. Rio de Janeiro: FGV, 2009. 164 páginas.
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