O texto Community-based Tourism Enterprises Development in Kenya: An Exploration of Their Potential as Avenues of Poverty Reduction deu bastante pano para manga na discussão do LETS de ontem. Muito interessante a reflexão proporcionada sobre as empresas comunitárias de turismo e sua relação com a atenuação da pobreza no Kenia.
Com uma visão bastante crítica, Geoffrey Manyara e Eleri Jones, os autores do texto, nos conduzem a refletir sobre os modelos adotados em projetos que visam a redução da pobreza e a conservação ambiental por intermédio da atividade turística comunitária. Eles estudaram seis empreendimentos em diferentes regiões do Kenia para apreender fatores que contribuíram para o sucesso e o insucesso das iniciativas.
É de se surpreender quantas similaridades existem entre a realidade retratada por eles e a nossa, quando o assunto são as dificuldades para que estes empreendimentos tenham sucesso: baixa alfabetização, poucas habilidades de gestão, pouco empoderamento das comunidades, etc. A grande diferença aparente é o nível de pobreza do país retratado, bastante mais grave do que o do Brasil - que se destaca mais por sua desigualdade na distribuição da riqueza do que sua pobreza em termos absolutos, em sua maioria.
Os resultados são muito interessantes e mostram que o modelo adotado reforça dependência das comunidades (em relação aos investidores), não espalha benefícios de modo significante em todos os casos, reforça o neocolonialismo e não prepara as pessoas para serem mais autônomas.
Além dos resultados muito instigantes, três foram os pontos que mais me tocaram no texto.
O primeiro deles diz respeito aos conflitos socioambientais, refutando nossa concepção romantizada dos "indigenous" vivendo em harmonia com a natureza. Os autores fazem um resgate sobre as políticas de conservação da biodiversidade que foram adotadas no Kenia e como elas abriram ainda mais espaço para os conflitos entre os humanos e os animais selvagens, e entre os moradores e os turistas. Creio que muito do se mostra no texto nos alerta para possíveis erros que as políticas/projetos de desenvolvimento podem cometer quando não fazem uma análise mais sistêmica da situação socio-econômica-ambiental. Eles relatam a proibição da caça aos animais e como isso se desdobrou em uma série de problemas com a população, prejudicada pelos ataques que os animais faziam a seus pequenos cultivos. Então, eles se tornaram guias para as caçadas, permitidas apenas para os turistas. No entanto, quando a caça foi proibida para todos, os moradores ficaram sem renda, sem poder caçar e com os riscos de ter que conviver com um maior número de animais selvagens soltas. Tentou-se então uma política de compensação às famílias que sofriam danos, ainda na década de 80. No entanto, a política falhou por conta de corrupção e descontrole.
O segundo aspecto diz respeito às lideranças locais. O artigo mostra como projetos externos podem trazer insumos que as comunidades não possuiam. Contudo, sob a alegação de serem participativos, estas intervenções correm o risco de reforçar os vícios locais, inclusive lideranças de pequenos grupos não representativos ou nada democráticos. Acho que esta colocação abre espaço para muitas reflexões acerca da prática na implementação de projetos e pesquisas.
O terceiro ponto diz respeito à avaliação de tais projetos. Acaba sendo mais imediato encontrar as falhas do que os acertos, em muitos casos. E deve-se colocar bastante esforço na mensuração dos resultados, ampliando o foco para além da perspectiva econômica. Me parece que nestes casos, outros indicadores devem ser valorizados. Entre eles e, especialmente, indicadores relativos à repartição de benefícios e transbordamentos dos investimentos.
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